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O TESOURO POR TRÁS DE PORTINARI

Café”, Cândido Portinari, 1935

Café”, Cândido Portinari, 1935

O frio suave contrastava com o discreto surgir do sol daquela manhã de sexta-feira de agosto de 2015. Tudo estava calmo e indicava permanecer assim, como todas as outras manhãs em Serro, uma Pacata e aprazível cidade do interior de Minas Gerais, localizada no sudeste brasileiro, famosa, principalmente pelo seu incomparável e famoso Queijo do Serro.
 

Como ocorre em grande parte das cidades intermediárias onde a população tende a se deslocar para outros centros, buscando outras oportunidades Profissionais, em Serro ocorreu o mesmo e aqueles que permaneceram e que não tinham qualificação profissional alguma, se ocupavam, para sobreviverem, dos serviços esporádicos, os chamados “Bicos”.

Um pouco afastada do centro, numa casa de muito bom gosto, embora discreta, moravam Antônio Moraes, 62 anos, Professor de História Aposentado, sua Mulher, Dinah, de 58 anos, funcionária aposentada, da Prefeitura Municipal e a filha, Isabel de 22 anos, universitária, todos, genuinamente Serranos.

O quintal grande, já não permitia mais que ele e sua mulher cuidassem sozinhos, principalmente, em relação aos cuidados com a plantação da Dona Dinah e a capina que, periodicamente se fazia necessária. Por isso, contrataram Vicentinho para esse serviço e lá se ia mais de seis meses de convívio com o jovem que sem opção profissional, vindo da cidade vizinha de Rio Vermelho, um dia se apresentou, oferecendo-se para dar conta da tarefa que o vasto quintal tanto necessitava.

 

Tudo transcorria com absoluta naturalidade. O contratado era bem tratado pelos patrões e também respeitava o espaço daquela família. Entretanto, certo dia, Vicentinho, sem ser notado, da parte de fora da janela, viu quando Antônio, acabara de colocar algo num cofre na parede da sala e ocultá-lo com um quadro, réplica de Café, obra Prima de 1935, do Pintor brasileiro, Candido Portinari, cujas obras tanto fascinavam seu Moraes.

Ao sair, sua mulher ao vê-lo repor o quadro no lugar, não perdeu a oportunidade de lhe dizer:
- Você e seu Tesouro! - A frase e a visão, deram ao jovem imaturo a certeza do que sempre desconfiara.

Para ele não havia mais dúvida de que aquela família, embora não ostentasse, tinha muito dinheiro. Só agora depois de seis meses de convívio, descobrira existir aquele cofre, e que, com certeza, com muitas joias, dólares e quem sabe, outras relíquias, o tesouro como mencionara sua mulher.

 

Certamente, por faltar-lhe os princípios familiares e morais básicos e sem compreender e valorizar as oportunidades que a vida, apesar de tudo, não se priva em oferecer, naquela noite logo que chegou no beco em que morava, reuniu mais dois amigos, conhecidos por realizarem certos “servicinhos”, nada recomendáveis pela circunvizinhança e com eles, arquitetou seu plano.

Os dois comparsas, fariam uma visita a casa em que ele  trabalhava, para roubar todo o tesouro daquele cofre, ficando acordado que um terço das joias e do dinheiro subtraído, assim como todo o montante, seriam divididos de forma igualitária, entre os cúmplices.
 

Vicentinho, de forma sutil, facilitaria a entrada da dupla, que simularia tê-lo rendido, fazendo parecer que fora forçosamente obrigado a permitir o acesso dos dois bandidos ao interior da casa, para que não levantassem nenhuma suspeita de sua participação.

No dia acordado pela grupo, por volta das 10 horas, o plano ganhou vida. Vicentinho demonstrava certo nervosismo e após recolher o lixo para depositar no contentor plástico  na calçada do portão, foi imediatamente empurrado de volta, sendo derrubado e com ele todo o lixo. Imediatamente os dois mascarados de armas em punho, se apresentaram:

 

- Fique quietinho ou você morre, entendeu?....

- Calma, calma, o que vocês querem? - Encenou Vicentinho fazendo o melhor de sua representação teatral.

- Cadê seu Patrão? Queremos tudo, todo o tesouro dessa casa. – E arrastando-o conduziu porta adentro.
 

Antônio chegava nesse momento à sala, sua filha estava no sofá quando um deles foi logo em sua direção e apontando lhe a arma disse em audível som:
 

  - Abra logo o cofre! – Gritou um dos mascarados, encostando a arma na cabeça da jovem que surpreendida ficou imóvel, enquanto sua Mãe, procurou conter os ânimos.
 

- Pelo amor de Deus, não façam nada com ela...

- Calma Dona, só queremos o tesouro...

- Tesouro, que tesouro? – Disse Antônio, tentando dissimular o assaltante.

- O Tesouro que vocês guardam no cofre. Queremos tudo que tem aí, as joias, os dólares, tudo!

- Meus Deus! Não há nada que interessem vocês lá...

- Não quero ouvir papo furado, sabemos o que tem ali. Trate logo de abrir ou eu... – A Mãe novamente gritou por Deus e o marido interferiu:
 

- Calma... Calma, eu abro o cofre, mas, ali não tem nada do que vocês pensam que tem...

O cofre foi aberto e para surpresa dos bandidos, só havia livros, livros e mais livros, cada um mais surrado que outro. Decepcionado, o líder foi puxando e atirando cada um deles com violência no chão, esperando que houvesse no fundo do cofre, o tesouro procurado, mas só o que retirava era livro, livro e mais livros, como:
 

A Bíblia na versão do Rei James, Fernão Capelo Gaivota, O Pequeno Príncipe, O Profeta, Exilados de Capela, Como fazer Amigos e influenciar Pessoas e Seja Invulnerável e outros devidamente encapados com extremo zelo, de certa seita iniciática.
 

- Mas o que é isso? Que tipo de idiota considera isso aqui um tesouro???

- Um que acredita, Filho, que nessas letras existem vidas, capazes de processar mudanças... – Respondeu Antônio. - Mas não se preocupe, pode levar nossos celulares, tenho algum dinheiro na carteira, mas deixe esses livros, eles para mim são um verdadeiro tesouro, contendo o equivalente à joias e dólares em cada página. Para vocês serão apenas velhos livros, sem nenhum valor comercial...
 

- E você acha que a gente ia perder tempo carregando essa velharia pesada e inútil? Quem daria alguma grana por isso? Isso tudo aqui não vale meio serro. Passe logo o dinheiro e os celulares...
 

O Assaltante pegou os três celulares que estavam sobre a mesa de centro, enfiou nos bolsos da jaqueta, Seu Moraes, retirou cerca de R$ 800,00, da carteira e entregou ao bandido, fazendo-o ver que o que ali estava era tudo que tinha, exceto um documento de identificação.
 

O delinquente, olhou ao redor, tentando encontrar alguma coisa que pudesse complementar o frustrado assalto e puxando da mesinha um artesanal abajur de contas, advertiu:
 

- Nós vamos levar o Vice... – acabou traído pela própria língua, mas tentou imediatamente remendar o ato falho.
- Vamos levar esse sujeito  aqui... e se alguém de vocês chamar a policia a gente mata ele e volta aqui para acabar com vocês...

- Podem ir tranquilos, ninguém aqui vai chamar a polícia.

O Líder deu um puxão com muita fúria em Vicentinho e apontou-lhe a arma “obrigando-o” a ir com eles.
 

Mais tarde, refeitos do susto, a família reunida, de mãos dadas, no centro da sala conduziu, através do Patriarca, uma singela oração, agradecendo pelo livramento daquela manhã, ao mesmo tempo em que pedia para que a luz do discernimento encontrasse um espaço, mínimo que fosse, capaz de habitar o interior de cada um daqueles jovens.
 

Na manhã seguinte, iniciaram o dia com absoluta naturalidade, não deixando margem para que o inusitado acontecimento, nada agradável, afetasse a vida e a harmonia daquela respeitada e considerada família mineira.
 

Os dias seguintes, ocorreram dentro da habitual normalidade, exceto pelo fato de Vicentinho não ter aparecido mais para o trabalho, nem mesmo para receber sua semana vencida, não sendo também mais visto naquela localidade e nunca mais se soube do seu real paradeiro.

NELRAY é Web Designer e Editor da AZZLLON

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